segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) — Em discurso que ecoa o de Jair Bolsonaro, um padre disse durante missa transmitida pela TV que não tomaria uma vacina contra a Covid-19 que não tivesse "comprovação científica". Isso significa passar "por todos os testes possíveis e imagináveis" que precedem o registro sanitário, explicou.

O uso emergencial dos imunizantes que podem debelar a pandemia permite que a fase 3, a última dos estudos clínicos, esteja em andamento. É o protocolo em vários países, e também no Brasil.

A homília do padre Elenildo Pereira foi transmitida ao vivo pela TV da Canção Nova, braço carismático da Igreja Católica no Brasil.

"Tá vindo aí revestido de coisa boa, chamada de vacina contra o coronavírus. Vindo revestido de uma coisa belíssima: proteção, saúde, salvar vidas. Cuidado que é só a capa, só a capa", diz ele aos fiéis na sede da Canção Nova, em Cachoeira Paulista (SP).

"Não tô dizendo que sou contra a vacina, não sou, sendo bem claro. Desde que passe por todos os testes possíveis e imagináveis. Todas as fases necessárias. Uma comprovação científica. Aí eu tomarei. Enquanto não houver comprovação científica, padre Elenildo não tomará vacina."

Um discurso que a princípio parece óbvio – só um louco se imunizaria com algo sem chancela científica – ignora que diversas nações recorrem ao mesmo expediente, que não descarta critérios como segurança e eficácia. De quebra, acaba ecoando em bolhas antivacina e também bolsonaristas.

Na quinta (7), o presidente Bolsonaro disse a apoiadores que a vacina emergencial "não tem segurança ainda, e ninguém pode obrigar alguém a tomar algo que você não tem certeza das consequências". Em outra ocasião, chegou a dizer que um efeito colateral possível do produto fabricado pela Pfizer seria transformar as pessoas em jacaré.

Seu próprio governo, por meio da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), trabalha para garantir milhões de doses. Na sexta (8) a agência recebeu um pedido da Fiocruz para uso emergencial da fórmula, que garante a aplicação em grupos de risco, como idosos e profissionais da saúde. Foi a segunda solicitação para um aval do tipo: horas antes, o Butantan, que produzirá a Coronavac, fez o mesmo.

Em outubro, Bolsonaro usou as mesmas palavras que o padre para defender um imunizante com "comprovação científica" – algo que, segundo ele, a hidroxicloroquina tem (falso). "Não pode inalar [provavelmente quis dizer inocular] algo numa pessoa, e o malefício ser maior do que o benefício, apenas isso."

Foi uma entre tantas falas de Bolsonaro a minar esforços da comunidade científica para convencer a população de que se vacinar é seguro.

Em dezembro, pesquisa Datafolha mostrou que 22% dos brasileiros não pretendem aderir à campanha de imunização, número potencializado por um presidente que já disse: "Não vou tomar vacina e ponto final, problema meu".

Padre Elenildo compartilhou sua pregação no Instagram no primeiro dia de 2021. Muitos seguidores desaprovaram o conteúdo.

Disse um: "Gosto muuuito do senhor, mas essa homília foi muito exagerada. Não consegui e troquei de canal. Os padres não podem exercer sua liderança contra a vacina".

Outro: "Padre, me perdoe, mas reflita sobre seu posicionamento. O senhor é um influenciador".

Mais um: "Vacinas para todos. Principalmente para os mais vulneráveis e necessitados do planeta, pediu o papa. Eu vou tomar, minha família tb".

Não é o posicionamento oficial da Igreja Católica. O papa Francisco disse que tomará a vacina na próxima semana e lamentou haver "um negacionismo suicida que não consigo explicar".

Procurado pela reportagem, o clérigo disse que não poderia responder e que o melhor a fazer seria falar com a assessoria de imprensa da Canção Nova.

A comunidade católica disse, por meio de nota, que "reconhece e respeita o esforço mundial dos cientistas na busca por uma vacina contra a Covid-19 e não se opõe às conquistas da ciência a favor da vida".

Também afirmou seguir "os preceitos e as orientações da igreja, que valoriza a vida desde a concepção até o seu fim último, e já se manifestou favorável às vacinas contra o vírus SarsCov-2, reconhecidas como clinicamente seguras e eficazes".

"Eventuais posicionamentos diferentes de seus membros expressam apenas opinião pessoal", completou.


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